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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Especial Semana Santa: O Estado Marital de Jesus

Não é minha intenção desacreditar os Evangelhos. Procuro localizar neles alguns fragmentos de verdade possível ou provável, extraindo-os da matriz bordada ao seu redor. Busco principalmente fragmentos de um tipo bem-definido, aqueles que pudessem indicar um casamento entre Jesus e a mulher conhecida como Madalena. É desnecessário dizer que essas informações não estariam explícitas. Para encontrá-las, temos que lidar com omissões, insinuações e referências oblíquas. E não podemos procurar apenas evidências de um casamento, mas evidências de circunstâncias que pudessem ter conduzido a um casamento. Devemos então nos fazer algumas perguntas. Comecemos com a mais óbvia delas: existe nos Evangelhos alguma evidência, direta ou indireta, que sugira que Jesus era casado?

Não existe, é claro, uma afirmação explícita. Por outro lado, não existe nenhuma afirmação explícita de que ele não era, e isto é mais curioso e mais importante do que possa parecer. Como já observou o Dr. Geza Vermes, da Universidade de Oxford, "há um silêncio completo nos Evangelhos quanto ao estado marital de Jesus. (...) Tal estado de coisas é suficientemente estranho no judaísmo para estimular pesquisas a respeito."

Os Evangelhos afirmam que muitos dos discípulos , Pedro, por exemplo, eram casados. E em nenhum ponto o próprio Jesus advoga o celibato. Pelo contrário, no Evangelho de Mateus (19:4-5) ele declara: "Não tendes lido que quem criou o homem, desde o princípio, fê-los macho e fêmea, e disse: Por isso deixará o homem pai e mãe, e ajuntar-se-á com sua mulher, e serão os dois numa só carne?'" Tal declaração não pode ser reconciliada com uma invocação ao celibato. E se Jesus não pregou o celibato, não há razão para supor que ele o tenha praticado. Segundo o costume judaico da época, não era somente usual, mas quase obrigatório que um homem fosse casado. Era obrigatório a um pai judeu encontrar uma esposa para seu filho, da mesma forma que o era assegurar sua circuncisão.
Se Jesus não fosse casado, este fato teria sido flagrantemente conspícuo. Teria chamado a atenção, sendo usado para caracterizá-lo e identificá-lo. Teria colocado Jesus à parte de seus contemporâneos, de forma significativa. Se este tivesse sido o caso, pelo menos um dos Evangelhos mencionaria tão marcante desvio dos costumes. Se Jesus fosse de fato celibatário, como pretende a tradição posterior, é extraordinário que não exista referência a isso. A ausência de tal referência sugere fortemente que Jesus, no que diz respeito ao celibato, vivia conforme as convenções de sua época e de sua cultura, em suma, que ele era casado. Só isto explica satisfatoriamente o silêncio dos Evangelhos sobre o assunto. O argumento é resumido por um respeitado teólogo contemporâneo:
Dado o pano de fundo cultural na forma como foi testemunhado (...) é muito improvável que Jesus não se tenha casado antes de começar sua vida pública. Se ele tivesse insistido no celibato, isso teria criado um frêmito, uma reação, que teria deixado algum traço. Assim, a falta de comentário sobre o casamento de Jesus nos Evangelhos é um forte argumento, não contra mas a favor da hipótese de casamento, porque qualquer prática ou defesa do celibato voluntário, no contexto judeu da época, teria sido tão estranha que teria atraído muita atenção e comentários.
A hipótese de casamento se torna ainda mais aceitável em virtude do título de rabino ter sido freqüentemente atribuído a Jesus nos Evangelhos. É possível, é claro, que este termo tenha sido empregado em seu sentido mais amplo, significando simplesmente um professor auto-nomeado. Mas o saber de Jesus, sua demonstração de conhecimento perante os anciãos do Templo, por exemplo, sugere fortemente que ele era mais que um autodidata. Jesus deve ter seguido algum tipo de treinamento formal e era oficialmente reconhecido como um rabino. Isto estaria conforme a tradição, que descreve Jesus como um rabino no sentido estrito do termo. Mas se Jesus era um rabino em sentido estrito, um casamento não teria sido provável, mas certo. A lei judia é explícita: "Um homem não casado não pode ser professor."
No quarto Evangelho há um episódio relacionado a um casamento que pode ter sido do próprio Jesus. Trata-se do casamento de Canaã, uma história que, apesar de bastante familiar, provoca algumas perguntas que merecem consideração. De acordo com a narrativa, o casamento de Canaã teria sido uma cerimônia local modesta, um típico casamento de vilarejo, cujos noivos permanecem anônimos. Para este casamento Jesus foi especificamente "chamado", o que talvez seja ligeiramente curioso, pois ele ainda não tinha começado seu ministério como rabino. Mais curioso, contudo, é o fato de que sua mãe "simplesmente" se encontra presente. E sua presença é tida como normal, embora não seja de nenhum modo explicada.
Além disso, Maria não só sugere a seu filho, mas na verdade lhe ordena que reponha o vinho. Comporta-se como se fosse a anfitriã (João 2:3-4): "E faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm vinho.' E Jesus respondeu: 'Mulher, que importa isso a mim e a vós? Ainda não é chegada a minha hora.'" Mas Maria, completamente à vontade, ignora o protesto do filho (João 2:5): "Disse a mãe de Jesus aos que serviam: 'Fazei tudo o que ele vos disser.'" E os servos prontamente obedeceram, como se estivessem acostumados a receber ordens de Maria e de Jesus.
Apesar da aparente tentativa de Jesus de repudiá-la, Maria prevalece; e Jesus realiza seu primeiro grande milagre, a transmutação de água em vinho. No que concerne aos Evangelhos, ele não tinha ainda demonstrado seus poderes; e não havia nenhuma razão para que Maria assumisse que ele os possuía. Mas mesmo que houvesse, por que deveriam tais dons, singulares e sagrados, ser empregados com um propósito tão banal? Por que deveria Maria fazer tal pedido ao seu filho? E, mais importante, por que deveriam dois "convidados" a um casamento tomar sobre si a responsabilidade de servir, uma responsabilidade que, por costume, seria reservada ao anfitrião? A menos, é claro, que o casamento em Canaã fosse o próprio casamento de Jesus. Nesse caso, seria sua a responsabilidade de servir o vinho.
Existem mais evidências de que o casamento em Canaã foi, de fato, o de Jesus. Imediatamente depois do milagre do vinho, o organizador da festa, que "governava a mesa", um tipo de mordomo ou mestre de cerimônias, prova o vinho recém-produzido. Em seguida, lemos em João (2:9-10): "O que governava a mesa (...) chamou o noivo e disse-lhe: 'Todo homem põe primeiro o bom vinho: e quando já os convidados têm bebido bem, então lhes apresenta o inferior. Tu, ao contrário, tiveste o bom vinho guardado até agora.'" Estas palavras parecem claramente dirigidas a Jesus. Segundo o Evangelho, contudo, elas são dirigidas ao "noivo". Uma conclusão óbvia é que Jesus e o noivo são a mesma pessoa. Mas se Jesus é o noivo, quem é a noiva?
Bodas de Canaã - Casamento de Jesus
 

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