Leia, Concorde, Discorde.

sábado, 7 de abril de 2012

Especial Semana Santa: A Esposa de Jesus

Se Jesus era casado, existe nos Evangelhos alguma indicação da identidade de sua mulher?
Como primeira consideração, parece haver duas candidatas, pois, além de sua mãe, duas mulheres são mencionadas repetidamente nos Evangelhos como integrantes de seu círculo. A primeira é Madalena, do vilarejo de Migdal, ou Magdala, na Galiléia. O papel desta mulher é singularmente ambíguo nos quatro Evangelhos e parece ter sido deliberadamente obscurecido. Nas narrativas de Marcos e de Mateus ela só é mencionada nominalmente em passagens tardias. Aparece na Judéia, no tempo da crucificação, e é citada entre os seguidores de Jesus. No Evangelho de Lucas, contudo, ela aparece relativamente cedo no ministério de Jesus, enquanto ele ainda está pregando na Galiléia. Ela teria acompanhado desde a Galiléia até a Judéia, ou, pelo menos, teria se movido entre as duas províncias tão rapidamente quanto ele. Isto em si sugere fortemente que ela era casada com alguém. Na Palestina do tempo de Jesus seria impensável que uma mulher não casada viajasse desacompanhada. Mais impensável ainda seria viajar desacompanhada e junto com um mestre religioso e seu círculo.

Se não considerarmos a tradição popular, Madalena não é em nenhum ponto mencionada nos Evangelhos como uma prostituta. Quando é mencionada no Evangelho de Lucas, é descrita como uma mulher "da qual vieram sete véus". Assume-se geralmente que esta frase se refere a uma espécie de exorcismo por parte de Jesus, significando que Madalena era "possuída". Mas a frase pode igualmente se referir a algum tipo de conversão e/ou ritual de iniciação. O culto a Ishtar ou Astarte, deusa-mãe e rainha do céu, envolvia, por exemplo, uma iniciação em sete estágios. Antes de sua afiliação a Jesus, Madalena pode bem ter sido associada a tal culto. Migdal ou Magdala era o "vilarejo das pombas", e existem evidências de que lá eram criadas pombas destinadas a sacrifícios. E a pomba era o símbolo sagrado de Astarte.

Um capítulo antes de falar de Madalena, Lucas menciona uma mulher que abençoou Jesus. No Evangelho de Marcos existe uma bênção, similar por uma mulher não identificada. Nem Lucas nem Marcos identificam explicitamente essa mulher como sendo Madalena, mas Lucas registra que ela era uma "mulher caída", uma "pecadora". Comentaristas posteriores assumiram que Madalena, tendo aparentemente sete véus retirados, devia ter sido uma pecadora. Nestas bases, a mulher que abençoa Jesus e Madalena vieram a ser consideradas a mesma pessoa. Podem ter sido. Se Madalena era associada a um culto pagão, isto poderia tê-la tornado uma "pecadora" aos olhos não somente de Lucas, mas também dos escritores que se seguiram.

Se Madalena era uma "pecadora", ela era também, claramente, algo mais que a prostituta comum da tradição popular. Era certamente uma mulher de meios. Lucas registra, por exemplo, que entre seus amigos estava a mulher de um alto dignitário da corte de Herodes. Ambas as mulheres, juntamente com outras, apoiavam Jesus e seus discípulos com recursos financeiros. A mulher que abençoou Jesus era também uma mulher de meios. No Evangelho de Marcos grande ênfase é colocada no alto preço do óleo de unção utilizado no ritual.

Todo o episódio da unção teria sido um assunto de importância considerável. Por que ele é tão enfatizado nos Evangelhos? Dada a sua proeminência, parece ser algo mais que um gesto espontâneo e impulsivo. Parece um ritual cuidadosamente premeditado. Deve-se lembrar que a unção é uma prerrogativa tradicional de reis e do Messias de Direito, que significa "aquele que recebeu a unção". A partir daí, segue-se que Jesus se torna um autêntico messias em virtude de sua unção. E a mulher que o consagra nesse augusto papel não pode deixar de ser importante.

Em todo caso, é evidente que Madalena, no final da carreira de Jesus, tinha se tornado um personagem de imensa importância. Nos três Evangelhos sinópticos, seu nome encabeça consistentemente a lista de mulheres que seguiam Jesus, da mesma forma que Simão Pedro encabeça a lista de discípulos homens. Ela é a primeira testemunha da tumba vazia após a crucificação. Para revelar a ressurreição, Jesus escolheu Madalena entre todos os seus devotos.

Ao longo dos Evangelhos, Jesus trata Madalena de uma forma singular e preferencial. Tal tratamento pode muito bem ter induzido o ciúme em outros discípulos. Seria bastante óbvio que a tradição posterior pensasse em obscurecer o papel de Madalena, se não seu nome. O retrato dela como uma prostituta pode bem ter sido o resultado de um procedimento vingativo de impugnar a reputação de uma mulher cuja associação com Jesus era mais estreita do que a deles, e que inspirava em todos uma inveja bem humana. Se outros cristãos, durante a vida de Jesus ou depois, ressentiram-se do laço único de Madalena com seu líder espiritual, pode bem ter existido uma tentativa de diminuí-la aos olhos da posteridade. E não há dúvida de que ela foi diminuída. Mesmo hoje se pensa nela como uma prostituta.

Qualquer que tenha sido a condição de Madalena nos Evangelhos, ela não é a única candidata possível à esposa de Jesus. Existe outra, que figura de forma mais proeminente no quarto Evangelho e pode ser identificada como Maria de Betânia, irmã de Martha e Lázaro. Ela e sua família se relacionam em termos muito familiares com Jesus. Eles também eram abastados, possuindo uma casa em um subúrbio da moda de Jerusalém, grande o bastante para acomodar Jesus e todo o seu círculo. Além disso, o episódio de Lázaro revela que essa casa continha uma tumba particular, naquele tempo, um luxo um tanto extravagante, não somente um sinal de riqueza mas também de uma posição que atesta conexões aristocráticas. Na Jerusalém bíblica, assim como em qualquer cidade moderna, terras eram valiosas, e muito poucos podiam dar-se ao luxo de um local funerário privado.

Quando, no quarto Evangelho, Lázaro cai doente, Jesus havia deixado Betânia por alguns dias e estava no Jordão com seus discípulos. Após ouvir o que havia acontecido, ele permanece ainda por dois dias, uma reação bastante curiosa e então retorna a Betânia, onde Lázaro estava na tumba. Quando se aproxima, Martha corre para encontrá-lo e grita (João 11:21): "Senhor, se tu houveras estado aqui não morrera meu irmão." Trata-se de uma afirmação chocante. Por que a presença física de Jesus teria impedido a morte do homem? Mas o incidente é significativo, porque Martha, ao saudar Jesus, está sozinha. Seria de se esperar que Maria, sua irmã, estivesse com ela. Entretanto, Maria está sentada dentro de casa e não aparece até que Jesus explicitamente lhe ordena que o faça. O ponto se torna mais claro no Evangelho "secreto" de Marcos, descoberto pelo professor Morton Smith e citado na postagem “O Rei Sacerdote que Nunca Reinou”. Na narrativa suprimida, Maria teria saído de casa antes da instrução de Jesus para fazê-lo, tendo sido pronta e bruscamente repudiada por seus discípulos, os quais Jesus é obrigado a calar.

Seria bastante plausível que Maria estivesse sentada dentro da casa quando Jesus chegou em Betânia. De acordo com o costume judeu, ela estaria em shiveh, sentada em sinal de luto. Mas por que ela não se reúne a Martha e corre a encontrar Jesus que retorna? Existe uma explicação óbvia. Pelos mandamentos da lei judaica da época, uma mulher em shiveh era estritamente proibida de sair de casa, exceto por ordem expressa de seu marido. Neste incidente, o comportamento de Jesus e de Maria de Betânia é precisamente conforme com o comportamento tradicional de um homem judeu e sua esposa.

Existem evidências adicionais para um possível casamento entre Jesus e Maria de Betânia. Elas aparecem, mais ou menos como um non sequitor, no Evangelho de Lucas (10:38-42):

E aconteceu que como fossem de caminho, entrou depois Jesus em uma aldeia: uma mulher, por nome de Martha, o hospedou em sua casa. E esta tinha uma irmã chamada Maria, "a qual até sentada aos pés do Senhor ouvia a sua palavra. Matha porém andava toda fadiga na contínua lida da casa, a qual se apresentou diante de Jesus, e disse: “Senhor, a ti não se te dá que minha irmã me deixasse andar servindo só? Dize-lhe, pois, que me ajude”. E respondendo o Senhor, lhe disse: "Martha, Martha, tu andas muito inquieta, e te embaraças com o cuidar em muitas coisas. Entretanto só uma coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”.

A partir do apelo de Martha, parece claro que Jesus exercia alguma autoridade sobre Maria. O mais importante, entretanto, é a resposta de Jesus. Em outro contexto não se hesitaria em interpretar esta resposta como uma alusão a um casamento. Em todo caso, ela "sugere que" Maria de Betânia era uma discípula tão ávida quanto Madalena.

Existem razões substanciais para se considerar Madalena e a mulher que abençoa Jesus como sendo a mesma pessoa. Poderia esta pessoa também ser Maria de Betânia, irmã de Lázaro e de Martha? Poderiam estas mulheres, que, nos Evangelhos, aparecem em três contextos diferentes , ser na realidade uma só pessoa? A Igreja medieval certamente as considerava como tal, assim como a tradição popular. Muitos estudiosos bíblicos hoje concordam com isso, e existem evidências abundantes a favor desta conclusão.

Os Evangelhos de Mateus, Marcos e João, por exemplo, citam Madalena como alguém presente na crucificação. Nenhum deles cita Maria de Betânia. Mas se ela fosse um discípulo tão devotado, como parecia ser, sua ausência pareceria no mínimo uma omissão. É plausível que ela, para não falar de seu irmão Lázaro, deixasse de testemunhar o momento-chave da vida de Jesus? Tal omissão seria inexplicável e repreensível, a menos, é claro, que ela estivesse presente e citada nos Evangelhos sob à nome de "Madalena. Se Madalena e Maria de Betânia são uma só pessoa, não cabe a questão de esta última ter estado ausente na crucificação.

Madalena pode ser identificada como Maria de Betânia. Pode também ser identificada como a mulher que abençoa Jesus. De forma bastante explícita, o quarto Evangelho identifica a mulher da unção de Jesus como Maria de Betânia (João, 11:1-2):

Estava pois enfermo um homem, chamado Lázaro, que era da aldeia de Betânia, onde assistiam Maria e Martha, suas irmãs. (E foi esta Maria aquela que ungiu o Senhor com o bálsamo, e lhe limpou os pés com os seus cabelos; cujo irmão Lázaro estava enfermo.)

E novamente, um capítulo depois (João 12:1-3):

Seis dias pois antes da Páscoa veio Jesus a Betânia, onde morrera Lázaro, a que Jesus ressuscitou. E deram-lhe lá uma ceia: na qual servia Martha e onde Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele. Tomou Maria então uma libra de bálsamo, feito de nardo puro de grande preço e ungiu os pés de Jesus e lhe enxugou os pés com os seus cabelos: e ficou cheia, toda a casa do cheiro de bálsamo.

Portanto, é evidente que Maria de Betânia e a mulher que abençoa Jesus são a mesma pessoa. Se não é igualmente claro, é certamente provável que esta mulher seja também Madalena. Se Jesus era de fato casado, só haveria uma candidata à esposa para ele: uma mulher que aparece freqüentemente nos Evangelhos sob diferentes nomes e com diferentes papéis.

Se Madalena e Maria de Betânia são a mesma mulher, e se esta mulher foi a esposa de Jesus, Lázaro teria sido seu cunhado. Existe nos Evangelhos alguma evidência de que Lázaro tinha tal posição?

Maria de Betânia - Esposa de Jesus


Na próxima postagem: O Discípulo Amado

Nenhum comentário:

Postar um comentário