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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Linhagem Sagrada e o Santo Graal


O Mistério dos Cátaros
Ao ponderar nossas últimas conclusões devemos nos lembrar das lendas que ligavam os cátaros ao cálice sagrado.  Talvez, nessa altura da nossa série não estamos preparados para encará-las como algo mais do que mitos. Na verdade, talvez, não estamos preparados nem mesmo para afirmar que o cálice houvesse existido. Ainda que o fizéssemos, não podíamos imaginar que um copo ou cálice, houvesse ele contido ou não o sangue de Jesus, fosse tão precioso para os cátaros, para quem Jesus, afinal, era incidental. Entretanto, as lendas continuaam a nos assombrar e confundir.
Por mais evasiva que fosse, alguma ligação parecia existir entre os cátaros e o culto ao cálice, na forma como ele evoluiu durante os séculos XII e XIII. Vários escritores têm argumentado que os romances sobre o cálice, os de Chrétien de Troyes e de Wolfram Von Eschenbach, por exemplo, constituem uma interpolação do pensamento cátaro, disfarçado em simbolismos que foram elaborados no próprio coração da cristandade ortodoxa. Pode haver algum exagero nesta visão, mas há também alguma verdade. Durante a Cruzada Albigense, os eclesiásticos investiram contra os romances sobre o cálice, declarando-os perniciosos, até heréticos. E em alguns desses romances existem passagens isoladas que, além de altamente não ortodoxas, são sem dúvida dualistas, ou seja, cátaras.
Ainda mais, Wolfram Von Eschenbach declara em um de seus romances que o castelo do cálice se situava nos Pirineus, uma afirmação que Richard Wagner pode ter tomado literalmente. Segundo Wol­fram, o nome do castelo era Munsalvaesche, aparentemente, uma versão alemã de Montsalvat, termo cátaro. E em um dos poemas de Wolfram, o senhor do castelo do cálice se chamava Perilla. Ora, o lorde de Montségur era Raimon de Pereille, e seu nome aparece em documentos da época como Perilla, em latim.
Alguma coisa havia sido contrabandeada de Montségur logo após o término da trégua. Segundo a tradição, os quatro homens que escaparam da cidadela sitiada carregavam consigo o tesouro cátaro. Mas o tesouro monetário havia sido carregado três meses antes. Poderia o tesouro cátaro, e o tesouro que Saunière descobriu, consistir fundamentalmente de um segredo? Poderia esse segredo estar relacionado, de alguma maneira inimaginável, a algo que ficou conhecido como o cálice sagrado? Para nós, talvez pareça inconcebível que os romances sobre o cálice possam ser tomados literalmente.
Se alguma coisa foi contrabandeada de Montségur, ela foi levada a algum lugar. Segundo a tradição, foi levada para as cavernas fortificadas de Ornolac, em Ariège, onde um bando de cátaros foi exterminado logo em seguida. Mas nada além de esqueletos foi encontrado em Ornolac. Por outro lado, Rennes-Ie-Château fica somente a meio dia, a cavalo, de Montségur. O que quer que seja que tenha sido contrabandeado de Montségur pode bem ter sido levado a Rennes-Ie-Châ­teau ou, mais provavelmente, a algumas cavernas que esburacam as montanhas ao redor. Se a descoberta de Saunière fosse o segredo de Montségur, muita coisa seria explicada.
No caso dos cátaros, assim como no de Saunière, a palavra tesouro parece esconder algum tipo de conhecimento ou informação. A devoção tenaz dos cátaros e sua antipatia militante por Roma nos leva a imaginar que tal conhecimento ou informação, se existisse, seria relacionado de alguma forma com o cristianismo , sua doutrina e teologia, sua história e origens. Em resumo: seria possível que os cátaros, ou pelo menos alguns deles, soubessem de algo que tivesse produzido o fervor selvagem com que Roma desejou seu extermínio? O padre que escreveu aquela carta referira-se a uma prova irrefutável. Conheciam os cátaros essa prova?
As informações sobre os cátaros são em geral tão escassas que impediam até mesmo a formação de uma hipótese. Por outro lado, uma pesquisa sobre os cátaros invade repetidamente outro assunto, ainda mais enigmático e envolto em lendas: os templários. Vamos estender a eles nossa pesquisa,  e começar a gerar documentação concreta. E é aqui que o  mistério começa a assumir proporções bem maiores do que possamos imaginar. 

Cavernas de Ornolac


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Santo Graal e a Linhagem Sagrada


O Cerco de Montségur
Em 1145, meio século antes da Cruzada Albigense, São Bernardo em pessoa viajou ao Languedoc para pregar contra os hereges. Ao chegar, ficou mais horrorizado com a corrupção de sua própria Igreja. No que concerne aos hereges, Bernardo ficou bem impressionado:  "Nenhum sermão é mais cristão que o deles", declarou, "e sua moral é pura."
Por volta de 1200, desnecessário dizer, o temor de Roma havia crescido. Ela conhecia a inveja com que os barões do norte da Europa olhavam para as ricas terras e cidades do sul. Esta inveja seria aproveitada, e os senhores nortistas constituiriam as tropas de choque da Igreja. Só era preciso alguma provocação, alguma desculpa, para acender a opinião popular.
Tal desculpa não demorou a surgir. Em 14 de janeiro de 1208, um dos embaixadores do papa no Languedoc, Pierre de Castelnau, foi assassinado. O crime parece ter sido cometido por rebeldes anticlericais sem nenhuma filiação cátara. Mesmo assim, de posse do pretexto de que necessitava, Roma não hesitou em culpar os cátaros. O papa Inocêncio III ordenou imediatamente uma Cruzada. Perseguições a hereges houve de modo intermitente durante todo o século anterior, mas agora a Igreja mobilizava suas forças em grande escala. A heresia deveria ser extirpada de uma vez por todas.
Um exército enorme foi reunido sob o comando do abade de Ci­teaux. As operações militares foram confiadas a Simon de Montfort, pai do homem que mais tarde desempenharia um papel crucial na história da Inglaterra. Sob a liderança de Simon, os cruzados do papa partiram com o objetivo de reduzir a ruínas a mais alta cultura européia da Idade Média. E em 1233 os dominicanos produziram uma instituição ainda mais infame: a Santa Inquisição. Os cátaros não seriam suas únicas vítimas. Antes da Cruzada Albigense, muitos nobres do Languedoc, especialmente as influentes casas de TrencaveI e Toulouse, haviam sido extremamente amigáveis com a grande população judia local.
Simon de Montfort foi morto em 1218, sitiando Toulouse, mas a depredação do Languedoc continuou, com breves tréguas, por mais um quarto de século. Por volta de 1243, contudo, toda resistência organizada, se é que houve alguma, havia cessado. Todas as cidades e bastiões cátaros tinham caído sob as invasões nortistas, com exceção de alguns pontos fortes, remotos e isolados. Entre eles, o mais importante foi Montségur, suspenso como um arco celestial sobre os vales circundantes.
Montségur foi sitiada durante dez meses, suportando assaltos repetidos e mantendo uma resistência tenaz. Em março de 1244, a fortaleza finalmente capitulou.
O Tesouro Cátaro
O misticismo criado em torno dos cátaros cresceu durante a Cruzada Albigense e persiste até hoje. Um deles residia em sua origem, questão que parece acadêmica, mas que se revela importante. A maioria dos historiadores recentes tem argumentado que os cátaros eram uma derivação dos bogomil, uma seita ativa na Bulgária , durante os séculos X e XI, cujos missionários teriam migrado para o oeste. Sem dúvida, os hereges do Languedoc incluíam vários bogomil. E, realmente, um pregador bogomil foi proeminente nas questões políticas e religiosas da época. Entretanto, pesquisas revelam evidências substanciais de que os cátaros representaram o florescimento de alguma coisa já secularmente enraizada em solo francês. Eles parecem haver surgido, quase diretamente, de heresias instaladas na França desde o advento da era cristã. Existem outros mistérios ainda mais intrigantes associados aos cá­taros. Jean de Joinville, por exemplo, ao escrever sobre sua amizade com Luís IX durante o século XIII, diz: "O rei (Luís IX) contou-me uma vez que vários homens albigenses haviam pedido ao conde de Montfort para ir e olhar o corpo de Nosso Senhor, que se havia tornado carne e sangue nas mãos de seu sacerdote." De acordo com este relato, Montfort foi tomado de surpresa por esse convite e declarou, ofendido, que sua comitiva poderia ir, se quisesse, mas que ele se manteria fiel à doutrina da Santa Igreja.
Não há maior elaboração ou explicação desse incidente, comentado en passant por Joinville. O que podemos concluir desse convite enigmático? O que estavam os cátaros fazendo? Que tipo de ritual estaria envolvido? Se não era uma missa, que os cátaros repudiavam, o que poderia ser "o corpo de Nosso Senhor (...) tornado carne e sangue"? Certamente tratava-se de uma declaração literal demais, portanto perturbadora.
Outro mistério envolve o legendário tesouro cátaro. Sabe-se que os cátaros eram extremamente ricos. As fontes da riqueza cátara, a fidelidade de poderosos proprietários de terras, por exemplo , eram óbvias e explicáveis. Todavia, durante a Cruzada Albigense surgiram rumores a respeito de um fantástico tesouro místico, muito mais importante que riqueza material. Presume-se que esse tesouro, qualquer que tenha sido, era guardado em Montségur. Quando a fortaleza caiu, nada foi encontrado. Entretanto, ocorreram incidentes extremamente singulares, relacionados com o cerco e a capitulação de Montségur.
Durante o cerco, os atacantes, em número superior a 10 mil, tentaram circundar a montanha e impedir toda saída ou entrada, esperando assim matar os sitiados de fome. Contudo, apesar de sua força numérica, eles não possuíam homens em quantidade suficiente para tornar o bloqueio completamente seguro. Além disso, muitas tropas eram locais e simpatizantes dos cátaros, e inúmeras outras eram simplesmente não confiáveis. Em conseqüência, não era difícil passar desapercebido através das linhas dos atacantes. Havia muitos vazios, através dos quais homens saíam e entravam, e suprimentos atingiam seu destino na fortaleza.
Os cátaros aproveitaram esses vazios. Em janeiro, quase três meses antes da queda da fortaleza, dois parfaits escaparam. Segundo relatos confiáveis, eles carregaram consigo a riqueza material dos cátaros ­muito ouro, prata e moedas, que levaram a uma caverna fortificada nas montanhas e de lá a um castelo aliado. Depois o tesouro desapareceu e nunca mais se ouviu falar nele.
Em 1º. de março, Montségur finalmente capitulou. Seus defensores eram então menos de quatrocentos, 150 a 180 parfaits, o restante cavaleiros, valetes e suas famílias. Os termos de rendição propostos eram surpreendentemente tolerantes. Os combatentes receberiam perdão total de todos os crimes precedentes. Receberiam permissão para partir com suas armas, bagagem e alguns presentes, inclusive dinheiro que porventura tivessem recebido de seus empregadores. Aos parfaits também foi concedida uma generosidade inesperada: seriam liberados e submetidos a penas leves, com a condição de abjurar suas crenças heréticas.
Seriam os parfaits tão comprometidos com suas crenças a ponto de escolher voluntariamente o martírio em lugar da conversão? Ou haveria algo que eles não podiam ou não se atreviam confessar à Inquisição? Qualquer que seja a resposta, nenhum dos parfaits, até onde se sabe, aceitou os termos dos atacantes. Todos escolheram o martírio. Além disso, pelo menos vinte dos outros ocupantes da fortaleza, seis mulheres e cerca de quinze combatentes voluntariamente receberam o Consolamentum e tornaram-se parfaits, aceitando assim a morte certa.
A trégua expirou em 15 de março. Na madrugada do dia seguinte, mais de duzentos parfaits foram rudemente arrastados montanha abaixo. Nenhum deles cometeu perjúrio. Como não houvesse tempo para que se levantassem estacas individuais, eles foram trancados em uma grande cerca no pé da montanha e queimados en masse. Os remanescentes da milícia, confinados no castelo, eram forçados a assistir, sendo prevenidos de que se algum deles procurasse escapar seria morto, assim como os reféns. Apesar do risco, contudo, a milícia concordou em esconder quatro parfaits. E na noite de 16 de março esses quatro homens, acompanhados de um guia, procederam à ousada fuga - de novo com o conhecimento e a cumplicidade da milícia. Desceram a escarpada face oeste da montanha, baixados em cordas de uma centena de metros cada uma. Que estariam esses homens fazendo? Qual seria o propósito de sua perigosa escapada, que implicava tamanho risco tanto para a milícia quanto para os reféns? No dia seguinte eles poderiam ter saído da fortaleza, livres para recomeçar suas vidas. Por alguma razão desconhecida, no entanto, embarcaram em uma perigosa fuga noturna que poderia facilmente tê-los levado à morte.
Segundo a tradição, esses quatro homens carregavam consigo o legendário tesouro cátaro. Mas um tesouro já havia sido contrabandeado de Montségur três meses antes. E, de qualquer forma, quanto tesouro, ouro, prata ou moeda, poderiam três ou quatro homens carregar nas costas, pendurados em cordas, montanha abaixo? Se os quatro fugitivos estavam realmente carregando alguma coisa, seria algo diferente de riqueza material.
Que poderiam estar carregando? Acessórios da crença cátara, talvez, livros, manuscritos, ensinamentos secretos, relíquias, objetos religiosos de alguma espécie; talvez algo que, por uma ou outra razão, não podia cair em mãos hostis. Isto poderia explicar uma fuga que implicasse tal risco para todos. Se alguma coisa tão preciosa tivesse que ser mantida fora do alcance de mãos hostis, por que não havia sido contrabandeada três meses antes, junto com o tesouro material? Por que foi retida na fortaleza até o último e perigoso momento?
A data precisa da trégua nos permite deduzir uma resposta possível a estas perguntas. Ela foi pedida pelos defensores da fortaleza, que ofereceram reféns a fim de obtê-la. Por alguma razão, os defensores parecem ter considerado isso necessário, ainda que, dessa forma, só conseguissem retardar o inevitável desenlace por duas semanas.
Podemos concluír que tal demora talvez fosse necessária para ganhar tempo. Não um tempo qualquer, mas aquele tempo específico. Ele coincidiu com o equinócio e o equinócio pode bem ter significado uma condição ritual para os cátaros. Também coincidiu com a Páscoa. Sabe­-se que um certo festival acontecia em 14 de março, véspera da expiração do prazo. Existe pouca dúvida de que a trégua foi solicitada de modo a que o festival pudesse acontecer, e de que este não poderia ser realizado em uma data escolhida ao acaso. Qualquer que tenha sido o festival, ele certamente causou forte impressão nos mercenários contratados; alguns deles se converteram à crença cátara, desafiando assim a morte inevitável. Poderia este fato conter a chave, pelo menos parcial, para se descobrir o que era a coisa contrabandeada de Montségur duas noites mais tarde? Essa coisa teria sido necessária para o festival do dia 14? Seria ela instrumental na persuasão de pelo menos vinte dos defensores, os quais se tornaram parfaits no último momento? Poderia ter assegurado a cumplicidade subseqüente da milícia, mesmo com risco de vidas? Se a resposta a todas estas questões é sim, isto explicaria por que ela foi removida no dia 16 e não antes, em janeiro, por exemplo, quando o tesouro monetário foi transportado para lugar seguro.

Montségur