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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Especial Semana Santa: A História dos Evangelhos

Os Evangelhos surgiram de uma realidade histórica reconhecível e concreta; uma realidade de opressão, descontentamento cívico e social, ansiedade política, perseguições incessantes e rebeliões intermitentes. Os estudiosos modernos são unânimes em dizer que os Evangelhos não são do tempo de Jesus. Datam, em sua maior parte, do período entre as duas principais revoltas na Judéia, 66 a 74 d.C. e 132 a 135 d.C., sendo quase certamente baseados em narrativas anteriores. Estas narrativas podem ter incluído documentos escritos que se perderam, pois houve uma destruição massiva dos registros no despertar da primeira revolta. Mas havia, certamente, tradições orais. Algumas eram grosseiramente exageradas e/ou distorcidas, recebidas e transmitidas de segunda, terceira ou quarta mão. Outras, contudo, podem ter derivado de pessoas que viveram na época de Jesus e podem tê-lo conhecido pessoalmente. Um homem que fosse jovem no tempo da crucificação pode ter vivido também na época em que os Evangelhos foram escritos.

O primeiro dos Evangelhos é geralmente considerado como sendo o de Marcos, escrito durante a revolta de 66-74 d.C. ou logo depois, exceto por seu tratamento da ressurreição, que é uma adição posterior e espúria. Embora ele próprio não tenha sido um dos discípulos originais de Jesus, Marcos parece ter vindo de Jerusalém. Parece ter sido companheiro de São Paulo, e seu Evangelho porta o caráter inconfundível do pensamento paulino. Mas se Marcos era nativo de Jerusalém, seu Evangelho, como afirma Clemente de Alexandria, foi escrito em Roma e endereçado a uma audiência greco-romana. Isto, por si só, explica muita coisa. Na época em que o Evangelho de Marcos foi composto, a Judéia estava, ou tinha estado recentemente, em plena revolta, e milhares de judeus estavam sendo crucificados por se rebelarem contra o regime romano. Se Marcos quisesse que seu Evangelho sobrevivesse e se impusesse a uma audiência romana, não podia de forma alguma apresentar Jesus como um anti-romano. Não podia apresentar um Jesus politicamente orientado. Para assegurar a sobrevivência de sua mensagem, ele foi obrigado a aliviar os romanos de toda a culpa pela morte de Jesus, limpando o regime e culpando alguns judeus pela morte do Messias. Este artifício foi adotado não somente pelos autores dos outros Evangelhos, mas também pela antiga Igreja cristã. Sem tal artifício, nem os Evangelhos nem a Igreja teriam sobrevivido.

Estudiosos datam o Evangelho de Lucas em aproximadamente 80 d.C. Lucas parece ter sido um médico grego que compôs seu trabalho para um oficial romano de alto escalão em Cesarea, a capital romana da Palestina. Assim, também para Lucas teria sido necessário aplacar e apaziguar os romanos, transferindo a culpa para outro lugar.
Na época em que o Evangelho de Mateus foi composto,  aproximadamente 85 d.C., tal transferência parece ter sido aceita como um fato estabelecido e não foi questionada. Mais da metade do Evangelho de Mateus, de fato, deriva diretamente do de Marcos, embora este tenha sido composto originalmente em grego e reflita características especificamente gregas. O autor parece ter sido um judeu, possivelmente um refugiado da Palestina. Ele não deve ser confundido com o discípulo chamado Mateus, que viveu muito antes, provavelmente falando só o aramaico.
Os Evangelhos de Marcos, Lucas e Mateus são conhecidos coletivamente como os "Evangelhos sinópticos", significando que eles vêem "olho no olho", ou "com um olho",  o que, é claro, não fazem. Entretanto, existem superposições suficientes entre eles para sugerir que sejam derivados de uma fonte comum, uma tradição oral ou algum outro documento perdido depois. Isto os distingue do Evangelho de João, no qual transparecem origens diferentes.
Nada se sabe sobre o autor do quarto Evangelho. Não existem razões para supor que seu nome tenha sido João. Com exceção de João Batista, o nome João não é mencionado em nenhuma passagem do Evangelho. A atribuição desse Evangelho, o último do Novo Testamento, composto por volta de 100 d.C. nas vizinhanças de Éfeso, na Turquia, a um homem chamado João é geralmente aceita como uma tradição posterior. Esse quarto Evangelho revela várias características singulares. Não há nele, por exemplo, a cena de natal, nenhuma descrição do nascimento de Jesus, e a introdução é quase gnóstica. O texto é decididamente de natureza mais mística do que o dos outros Evangelhos, e o conteúdo também difere. Os outros, por exemplo, se concentram primariamente nas atividades de Jesus na província a nordeste da Galiléia e refletem o que parece ser um conhecimento de segunda ou terceira mão dos eventos no sul, na Judéia e em Jerusalém, incluindo a crucificação. O quarto Evangelho, em contraste, diz relativamente pouco sobre a Galiléia. Lida exaustivamente com os eventos na Judéia e em Jerusalém, que concluem a carreira de Jesus, e sua narrativa da crucificação pode se basear em algum testemunho ocular. Também contém vários episódios e incidentes que não figuram nos outros Evangelhos: o casamento de Canaã, os papéis de Nicodemus e de José de Arimatéia, e a cura de Lázaro (embora este último tenha sido incluído no Evangelho de Marcos). Com base em tais fatores, estudiosos modernos têm sugerido que o Evangelho de João, a despeito de sua composição tardia, pode ser o mais fidedigno e historicamente acurado dos quatro.
Um estudioso moderno observa que o texto reflete um conhecimento topográfico aparentemente de primeira mão da Jerusalém de antes da revolta de 66 d.C. O mesmo autor conclui: "Por trás do quarto Evangelho existe uma velha tradição independente dos outros Evangelhos." Não é uma opinião isolada, mas a que prevalece entre os estudiosos da Bíblia. De acordo com outro autor, "o Evangelho de João, embora diferente da moldura cronológica de Marcos e mais tardio, parece conhecer uma tradição relacionada com Jesus que deve ser primitiva e autêntica".
É conclusivo então, que o quarto Evangelho era o mais fidedigno dos livros do Novo Testamento, embora ele tenha sido, como os outros, sujeito a alterações, edições, expurgos e revisões. E é  no quarto Evangelho que encontramos as evidências mais persuasivas para uma intrigante hipótese.

Uma das cópias mais antigas do Evangelho de João, considerados por muitos, um Evangelho Gnóstico

2 comentários:

  1. Parabens cara, muito bom o texto, sempre leio os textos do seu blog, pois, são realmente uma obra prima. Parabéns novamente

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  2. Obrigado cara. Que bom que tá gostando. O assunto apesar de bastante polêmico, é bem interessante. Abraços.

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