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terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Santo Graal e a Linhagem Sagrada

Os Possíveis Tesouros

Em linhas gerais, esta é a história na forma em que foi publicada na França nos anos 60. E foi para as perguntas levantadas por ela que dirigiu-se a pesquisa, do mesmo modo que outros pesquisadores o fizeram.
A primeira pergunta é bastante óbvia. Qual era a fonte do dinheiro de Saunière? De onde poderia vir tão súbita e enorme fortuna? Haveria uma explicação banal? Ou envolveria alguma coisa mais excitante? Esta segunda possibilidade deixava entrever um aspecto fascinante do mistério.
Comecemos por considerar as explicações fornecidas por outros pesquisadores. Segundo vários deles, Saunière tinha encontrado, na realidade, alguma espécie de tesouro. Uma conclusão plausível, pois a história da cidade e de seus arredores incluía muitas possíveis fontes de ouro e de jóias escondidos.
As lendas de tesouros fantásticos são entremeadas por vicissitudes históricas. Os hereges cátaros, por exemplo, eram considerados possuidores de alguma coisa de valor fabuloso e mesmo sagrado ­ que, segundo várias lendas, era o cálice sagrado. Estas lendas, segundo relatos, teriam impelido Richard Wagner a peregrinar até Rennes-le-­Château antes de compor sua última ópera, Parsifal; durante a ocupação de 1940-1945, época em que Wagner foi muito popular, as tropas alemãs teriam realizado inúmeras escavações infrutíferas nas vizinhanças. Havia também o tesouro desaparecido dos templários, cujo grão-mestre, Bertrand de Blanchefort, teria organizado misteriosas escavações nas vizinhanças. Segundo todos os relatos, essas escavações eram de natureza marcadamente clandestina, realizadas por contingentes de mineiros alemães trazidos especialmente para este fim. Algum tipo de tesouro de templários, guardado ao redor de Rennes-Ie­-Château, explicaria a referência a Sion no pergaminho descoberto por Saunière.
Outros tesouros existiram. Entre os séculos V e VIII, grande parte da França foi governada pela dinastia merovíngia, que incluía o rei Dagobert II. Rennes-Ie-Château, no tempo de Dagobert, era um baluarte visigodo, e o próprio Dagobert foi casado com uma princesa visigoda. A cidade poderia ter constituído algum tipo de tesouro. Há documentos que falam da grande riqueza acumulada por Dagobert e guardada nos arredores de Rennes-le-Château, visando conquistas militares. A descoberta de algum desses depósitos por Saunière explicaria a referência a Dagobert nos códigos.
Os cátaros. Os templários. Dagobert lI. E ainda um tesouro, produto de saques acumulados pelos visigodos durante seus avanços tempestuosos pela Europa. Tal tesouro poderia incluir mais que o resultado de saques convencionais possivelmente, artigos de relevância, tanto simbólica quanto literal, para a tradição religiosa ocidental. Em resumo, o legendário tesouro do Templo de Jerusalém  poderia estar aí incluído o qual, ainda mais que os templários, explicaria a referência a Sinai. 
Em 66 d.C., a Palestina ergueu-se em revolta contra o jugo romano. Quatro anos depois, em 70 d. C., Jerusalém foi arrasada pelas legiões do imperador, sob o comando de seu filho Titus. O Templo foi saqueado, e o conteúdo do lugar "mais sagrado dos sacros" foi levado para Roma. Conforme descrição no arco triunfal de Titus, este conteúdo incluía o imenso candelabro de sete braços, tão sagrado ao judaísmo, e possivelmente a Arca da Aliança. Mais de três séculos depois, em 410 d.C., Roma foi por sua vez saqueada. Invasores visigodos, liderados por Alaric, o Grande, pilharam toda a riqueza da Cidade Eterna. Segundo o historiador Procopius, Alaric escapou com "os tesouros de Salomão, rei dos hebreus, maravilhas aos olhos, pois eram em sua maioria enfeitados de esmeraldas e haviam sido roubados de Jerusalém pelos romanos".
Um tesouro poderia então ser a fonte da inexplicável fortuna de Saunière. O padre poderia ter descoberto um dos vários tesouros, ou um único que mudara de mãos repetidamente através dos séculos, passando talvez do Templo de Jerusalém aos romanos, depois aos visigodos e finalmente aos cátaros e/ou aos templários. Estaria explicado o fato de o tesouro pertencer a Dagobert II e a Sion.
Até aí a história parecia ser essencialmente uma história de tesouros. Como tal , mesmo envolvendo o Templo de Jerusalém ­seria de relevância limitada. Pessoas estão constantemente descobrindo tesouros de um tipo ou de outro. São, com freqüência, descobertas excitantes, dramáticas e misteriosas, e muitas delas lançam importantes luzes sobre o passado. Poucas, no entanto, exercem alguma influência direta, de ordem política ou não, sobre o presente,  a menos, é claro, que o tesouro em questão inclua um segredo de algum tipo, possivelmente explosivo.
Não eliminemos a possibilidade de Saunière haver descoberto um tesouro. Ao mesmo tempo, parecia claro que, além de qualquer outra coisa, ele descobrira também um segredo histórico de imensa importância no seu tempo, e talvez no nosso. Dinheiro, ouro ou jóias não explicariam, por si mesmos, muitas facetas de sua história. Não levariam à sua introdução no círculo de Hoffet, por exemplo, à sua associação com Debussy ou à sua relação com Emma Calvé. Não explicariam o imenso interesse da Igreja no assunto, a impunidade com a qual Saunière desafiara o bispo ou sua subseqüente exoneração pelo Vaticano, que pareceu mostrar uma preocupação urgente com o caso. Não explicariam a recusa de um padre em ministrar a extrema-unção a um moribundo, ou a visita de um arquiduque de Habsburgo a uma longínqua cidadezinha dos Pirineus, especialmente numa ocasião, em 1916, em que seu país estava em guerra com a França. Dinheiro, ouro ou jóias tampouco explicariam a poderosa aura de mistificação que envolveu todo o caso, desde os códigos sofisticados até a queima, por Marie Denarnaud, de sua herança em dinheiro. E a própria Marie prometera divulgar um "segredo que conferia não só fortuna, mas poder" .
Teria a fortuna de Saunière vindo não de algo com valor intrinsecamente financeiro, mas do conhecimento de alguma coisa? Se este era o caso, poderia tal conhecimento ter-se traduzido em bens materiais? Poderia ter sido utilizado em chantagem, por exemplo? Seria a fortuna de Saunière oriunda do pagamento pelo seu silêncio?
Nós soubemos que ele recebera dinheiro de Johann Von Habsburgo. Ao mesmo tempo, o segredo do padre, qualquer que fosse, parecia ser de natureza mais religiosa que política. Além disso, suas relações com o arquiduque austríaco, segundo todos os relatos, era marcadamente cordial. Por outro lado, no final de sua carreira o Vaticano ameaçava-o com  luvas de veludo e parecia bastante temeroso dele. Estaria Saunière chantageando o Vaticano? Tal chantagem seria tarefa presunçosa e arriscada para um homem, qualquer que fossem suas precauções. E se ele estivesse sendo ajudado e apoiado por outros, cuja importância os tornasse invioláveis, tais como os Habsburgo? E se o arquiduque Johann fosse apenas um intermediário, e o dinheiro fornecido por ele a Saunière proviesse, na realidade, dos cofres de Roma?

A Intriga

O filme O tesouro perdido de Jerusalém foi exibido em fevereiro de 1972. Não usava argumentos polêmicos. Simplesmente, narrava a história básica, tal como foi contada nas páginas anteriores. Não houve qualquer especulação sobre a existência de um segredo explosivo ou de chantagem em altas esferas. Vale mencionar que o filme não citava o nome de Emile Hoffet, o jovem seminarista parisiense a quem Saunière confidenciou seus pergaminhos.
Como talvez fosse de se esperar, após a exibição do filme os autores receberam um dilúvio de cartas, elogiosas ou excêntricas. Algumas ofereciam intrigantes sugestões. Uma delas, que o autor não desejava ver publicada, parecia merecer especial atenção. O missivista era um padre anglicano aposentado que parecia ser um curioso e provocador non sequitur. Escreveu com certeza e autoridade categóricas, com asserções claras e objetivas, sem titubeios, e com aparente descaso por acreditarmos ou não no que dizia. O tesouro, declarou sem escândalo, não envolvia ouro ou pedras preciosas. Era, ao contrário, uma "prova irrefutável" de que a crucificação havia sido uma fraude e que Jesus vivera até 45 d.C.
Isso soou, evidentemente, absurdo. O que seria, mesmo para um ateu convicto, uma prova irrefutável da sobrevivência de Cristo à crucificação? Somos incapazes de imaginar algo crível que pudesse constituir não somente  prova, mas, além  disso, fosse irrefutável. Ao mesmo tempo, a abrupta extravagância da afirmação pedia esclarecimentos. Como o autor da carta havia fornecido endereço para retorno, na primeira oportunidade os autores foram vê-los para tentar uma entrevista.
Ele foi muito mais reticente no contato pessoal. Aparentou arrependimento por haver escrito. Recusou-se a desenvolver sua referência à "prova irrefutável" e só ofereceu um fragmento adicional de informação. A prova, ou sua existência, havia sido revelada a ele por outro clérigo anglicano, Alfred Leslie Lilley.
Lilley, que morreu em 1940, havia publicado muito e não era desconhecido. Durante a maior parte de sua vida,  mantivera contatos com o Movimento Modernista Católico, baseado principalmente em Saint Sulpice, em Paris, e conhecia Emile Hoffet. A trilha tornou-se circular, mas a conexão entre Lilley e Hoffet  impedia de rejeitar sumariamente as afirmações do missivista.
Evidências similares de um segredo monumental haviam surgido durante nossa pesquisa sobre a vida de Nicolas Poussin, o grande pintor do século XVII, cujo nome reaparecia ao longo da história de Saunière. Em 1656, Poussin, que vivia em Roma, teria recebido uma visita do abade Louis Fouquet, irmão de Nicolas Fouquet, superintendente de finanças de Luís XIV da França. De Roma, o abade despachara uma carta a seu irmão, descrevendo sua visita a Poussin. Parte desta carta merece menção.

“ Nós discutimos certas coisas que devo sem óbice ser capaz de explicar-lhe em detalhes - coisas que lhe darão, através do Senhor Poussin, vantagens que mesmo reis teriam dificuldades em obter e que, segundo ele, é possível que ninguém mais venha a redescobrir nos próximos séculos. São coisas tão difíceis de descobrir que nada sobre a Terra, hoje, pode significar melhor ou igual fortuna.”

Nenhum historiador ou biógrafo de Poussin ou Fouquet explica esta carta, que se refere claramente a um assunto misterioso de imensa importância. Logo depois de recebê-la, Nicolas Fouquet foi detido e encarcerado por toda a vida. Segundo alguns relatos, foi mantido incomunicável, alguns historiadores o vêem como o provável Homem da Máscara de Ferro. Toda sua correspondência foi confiscada por Luís XIV, que a inspecionou pessoalmente. Nos anos que se seguiram o rei procurou obstinadamente obter o original de Les Bergers d'Arcadie, de Poussin. Quando finalmente conseguiu, guardou o quadro em seus apartamentos privados, em Versalhes.
Embora de grande qualidade artística, o quadro é aparentemente ingênuo. Três pastores e uma pastora, em primeiro plano, estão reunidos em volta de uma grande e antiga tumba, contemplando a inscrição na pedra envelhecida: ET IN ARCADlA EGO. No fundo vislumbra-se uma paisagem montanhosa, irregular, do tipo geralmente associado com Poussin. Segundo Anthony Blunt e outros especialistas em Poussin, essa paisagem é totalmente mística, produto da imaginação do pintor. Entretanto, no início dos anos 70, uma tumba real foi localizada, idêntica àquela do quadro. Idêntica em cenário, dimensões, proporções, forma, vegetação e até mesmo nas camadas circulares de rocha em que um dos pastores de Poussin repousa o pé. A tumba real se localiza na periferia de uma cidade chamada Arques, a aproximadamente 10km de Rennes-Ie-Château e a 5km do castelo de Blanchefort. A paisagem vista da frente do sepulcro é idêntica à do quadro. E um dos picos no fundo do quadro é, evidentemente, Rennes-Ie-Château.
Les Bergers d'Arcadie
Se algum dia houve uma inscrição na tumba real, ela desapareceu  há muito tempo. Quanto à inscrição na tumba do quadro de Poussin, esta parecia convencionalmente elegíaca, com a Morte anunciando sua presença sombria também  na Arcádia, paraíso pastoral idílico do mito clássico. Todavia, a inscrição é curiosa porque nela falta um verbo. Quando traduzida literalmente, lê-se: E EM ARCÁDIA EU...
Por que faltaria o verbo? Talvez por uma razão filosófica, para evitar qualquer noção de tempo, qualquer indicação de passado, presente ou futuro, induzindo assim à idéia de algo eterno? Ou talvez por uma razão de ordem mais prática.

Os códigos nos pergaminhos encontrados por Saunière repousavam  fortemente em anagramas, na transposição e rearranjo de letras. Seria ET IN ARCADIA EGO também um anagrama? Poderia o verbo ter sido omitido de modo que a inscrição pudesse consistir unicamente de letras precisas? Ao rearrumarmos as palavras encontramos:

I TEGO ARCANA DEI. *

* Vá embora! Eu guardo os segredos de Deus.

Ficamos contentes e intrigados com este engenhoso exercício.  Vocês não percebem então quão extraordinariamente apropriada era a advertência resultante.

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